Vocês se lembram das séries de super-heróis vindas do Japão que passavam na TV alguns anos atrás? Ultraman, Jaspion, Changeman, Flashman, Jiraiya e tantos outros… Pois é, quem está perto da casa dos 30 anos com certeza se lembra. Estas séries fizeram a alegria da molecada no final da década de 80 e início da de 90, tendo sido exibidas à exaustão pela extinta TV Manchete, e posteriormente espalhando-se por outras emissoras.  Estes seriados, e uma porção de filmes também, são conhecidos como Tokusatsu, nome criado a partir da junção das duas palavras do termo japonês “tokushu satsuei”, que significa algo como “filmes de efeitos especiais”.

O gênero Tokusatsu é muito popular no Japão, e embora os primórdios deste tipo de produção apontem para os filmes de monstros gigantes (Kaiju Eiga, ou Daikaiju Eiga), como Godzilla, Mothra e Gamera, destinados ao público adulto em geral, hoje em dia o termo é largamente utilizado para se referir apenas às séries de super-heróis exibidas semanalmente no Japão, direcionadas estritamente ao público infantil e infanto-juvenil. Como todo bom gênero cinematográfico ou televisivo, o Tokusatsu possui alguns subgêneros: o de esquadrões de heróis multicoloridos que possuem um robô gigante (Super Sentai), guerreiros com armaduras metálicas (Metal Heroes), heróis gigantes intergalácticos (Kyodai Heroes) e aqueles que “apenas” sofrem algum tipo de mutação ou metamorfose e caem na porrada com os mais diferentes tipos de malfeitores (Henshin Heroes). Este nicho se mostrou muito rentável, e as duas maiores produtoras japonesas deste tipo de seriado, a Toei Company e a Tsuburaya Productions, responsáveis pela criação das franquias Kamen Rider e Ultraman, respectivamente, conseguiram consolidar seus personagens e produtos na cultura pop do país ao longo dos últimos 45 anos, tornando-os verdadeiros ícones da produção audiovisual nipônica.

ZEBRAMAN, realizado por Takashi Miike em 2004, é uma homenagem ao gênero Tokusatsu, e de certa forma, uma bem humorada paródia.

Sho Aikawa (excelente ator, e protagonista de diversos filmes de Miike) é Shinichi Ichikawa, um professor de escola primária que leva uma vida patética: não é respeitado por sua família nem por seus alunos, e como forma de escapar da realidade, vive assistindo séries de tokusatsu na TV. Seu herói preferido é Zebraman, que estrelou uma série que acabou sendo cancelada após 13 episódios, quando Ichikawa era jovem.

Como se não bastasse, o professor possui um estranho hobby: confecciona roupas idênticas ao figurino do herói, e passa horas em seu quarto fantasiado, treinando golpes e reproduzindo falas e trejeitos de seu ídolo. Paralelamente, a polícia japonesa começa a investigar a possível presença de alienígenas na terra, e tem também que se preocupar com uma onda de ataques a mulheres, efetuados por um louco que usa um capacete em formato de caranguejo (?).

Em meio a esse bizarro cenário, um aluno novo é transferido para a escola onde Ichikawa leciona, e após descobrir que o garoto conhece Zebraman através dos relatos de seu falecido pai, um vínculo forte começa a se formar entre os dois. Ichikawa também se aproxima da mãe de Asano, o novo aluno, e começa a sentir uma certa atração por ela.

Cada vez mais absorto em seu mundo imaginário, e contagiado pela empolgação do pequeno Asano que idolatra Zebraman, Ichikawa começa a sair na rua trajando sua fantasia, e é justamente em um desses passeios noturnos que ele se encontra com o maníaco que anda atacando mulheres na cidade. Como todo bom herói, o protagonista impede que mais um crime aconteça, mas um confronto entre os dois é inevitável. E é a partir daí que o filme começa a ficar cada vez melhor.

Ichikawa é um homem franzino, desajeitado e de meia-idade, e quando se vê frente a frente com um criminoso real não consegue esconder de si mesmo o fato de que não deveria estar nas ruas, fantasiado, procurando confusão. Mas para sua própria surpresa, o professor consegue desviar dos ataques do maníaco de forma espetacular, com reflexos sobre humanos e acrobacias incríveis. Ichikawa não só consegue se proteger como também revidar com um violento super golpe. Fica claro que o protagonista acreditou tanto em seus devaneios que os poderes e habilidades de Zebraman passaram a se manifestar em nosso mundo. Caberá a ele agora garantir a segurança dos cidadãos de sua cidade, em meio à crescente onda de violência e aos estanhos acontecimentos relacionados à invasão alienígena.

A produção é muito caprichada, e um fato interessante é que o herói aparece com três diferentes roupas durante o filme: a tosca fantasia feita pelo protagonista, a vestimenta original que o herói trajava na série exibida na TV e uma outra versão, já nos moldes atuais, quando o herói está no auge de sua força. Esta última, muito parecida com uma espécie de armadura, evolui sozinha a partir da versão antiga, numa cena muito interessante.

Para quem gosta de tokusatsu, o filme é diversão garantida. Já havia mencionado aqui que a obra é uma espécie de homenagem de Miike ao gênero, e isso pode ser visto com clareza na cena em que o professor descobre que seu novo aluno conhece Zebraman. Com uma narração em off do garoto, vemos o que seria a sequência de abertura da antiga série do personagem, gravada por Miike nos moldes das produções setentistas, com alguns “defeitos” especiais e uma música tema idêntica às que tocavam nestas produções. O ator escolhido para encarnar Zebraman na série de TV é o veterano Hiroshi Watari, protagonista de Sharivan e Spielvan, duas séries de muito sucesso no Japão, e é considerado por muitos um dos melhores atores de tokusatsu de todos os tempos.

Embora este não seja um trabalho “convencional” de Takashi Miike, muitas de suas características cinematográficas estão presentes: edição ágil, trilha sonora barulhenta, cenas violentas e temática absurda. Um presente para aqueles que assistiram este tipo de série na infância, mas também não deixa de ser um ótimo filme para quem procura por um pouco de ação e humor descompromissados.